Sinal, o dicionário (ainda) não te conhece
Dentre as várias definições da palavra "sinal" no dicionário, será que saberíamos dizer qual explica o que é um sinal, quando pensamos nas línguas sinalizadas?
Passeando pelo dicionário Priberam, fui em busca da palavra sinal. Estava tentando encontrar alguma definição de sinal pensando nas línguas sinalizadas. O que aconteceu? Nenhuma definição obteve sucesso.
Não contente, fui conferir se em outros dicionários havia a mesma problemática. E advinha? Não deu outra. Então, selecionei as definições que, pelo menos, poderiam remeter ao que, de fato, é sinal para as línguas de sinais. E refleti sobre cada uma delas. Mas já aviso: se a Libras é considerada língua, os dicionários ainda a desconhecem. Está mais do que na hora de atualizarmos isso. Veja o que diz o Dicionário Priberam:
A definição 11 até poderia ser uma tentativa para descrever um sinal, mas ainda assim, está muito vaga. Para começar, o verbo representar é transitivo direto, o que significa que ele sozinho fica meio esquisito. Representar o que exatamente? Não sabemos. Além disso, há outras "coisas" que sevem como representação, por exemplo, uma imagem, um som, uma animação, entre outras.
Já a definição 15, melhorou. Trouxe a ideia do convencional, ou seja, já poderíamos pensar na questão da iconicidade dentro das línguas sinalizadas. A maioria dos sinais é arbitrária e não motivada. Exclui-se a ideia de que sinal é pantomima/mímica. Mas "traço ou conjunto de traços" também é muito vago. Que tipo de traço? Na hora, já pensamos na configuração de mão, local do sinal, movimento, mas esse raciocínio é muito específico. Há outras possibilidades que também poderiam ser pensadas que, não necessariamente, teriam a ver com essa questão linguística.
Se olharmos nos dicionários Michaelis e Caldas Aulette, veremos que nenhuma definição salva. O Dicionário Aurélio Eletrônico também não alimenta esperanças. Por incrível que pareça, o Dicionário Online de Português traz uma definição interessante:
O primeiro fator que me chamou a atenção foi o fato de delimitar a área em que aquela definição significa. Isso mostra que tal definição só é válida dentro da área que está entre colchetes. Para a [Linguística], sinal é diferente do que para a [Medicina].
Outro ponto positivo desse dicionário foi dizer "associação arbitrária", tratando o sinal como não sendo exclusivamente icônico, como já foi dito antes. E ainda faz uma intertextualidade com Ferdinand di Saussaure, o famoso "pai da Línguística", cujas nomenclaturas significante e significado remetem à sua teoria.
Basicamente, significante é a "imagem acústica" do significado, é o som que ele tem. E o significado é o próprio conteúdo. Por exemplo, a palavra cadeira é formada por uma cadeia de sons (cada "letra" tem um som) - isso seria o significante; o conceito do que é cadeira é o significado; e o que pensamos quando ouvimos ou falamos cadeira é o signo.
É interessante esse dicionário mostrar uma definição que desafie nossos horizontes. Mas, ainda assim, teríamos que "forçar" um pouco para que a interpretação dessa definição correspondesse ao que sinal significa dentro das línguas sinalizadas.
Ou seja, apesar de várias definições que apareceram, umas mais elaboradas, outras menos, nenhuma trouxe um conceito satisfatório. Sabemos que os dicionários possuem um caráter regulador, no sentido de que, uma palavra só é uma palavra quando é dicionarizada, caso contrário, não passa de um neologismo. Mas será mesmo?
Sinal não é neologismo, mas talvez a falta de explicação de sinal como sendo o que é nas línguas de sinais seja. E isso tem a ver com todo o processo de legitimação de que língua de sinais é língua. É o estudo do novo. Será que estamos decidindo se enquadramos como língua?
É. Parece que sim. Há um longo caminho para concretizarmos a legitimidade das línguas de sinais. Um dos primeiros lugares a ser indicativo de que é aceito que realmente são línguas é o dicionário.
Por enquanto, procuro ver se o verbo inconformar traduz minha inquietação sobre isso.